terça-feira, 14 de outubro de 2008

Mangue (conto de 2000)

Era uma cidade pequena, perto da capital, o calor era assombroso e a umidade que o oceano proporcionava tornava ainda mais característico o odor do vilarejo. José tinha uma família relativamente grande, mas para os padrões da cidade era pequena, sua mulher Cleyde havia parido três vezes,
Três moleques que ela acreditava que ainda deixariam-na louca. Moravam em uma casa humilde feita de barro e pedra, onde já houveram telhas, papelão e plásticos hoje se revesam.
José, pacato trabalhador, diariamente ia a uma cidade perto de Recife, andava duas horas sobre a terra vermelha, sob um sol que subia rápido e gerava um calor que parecia causar incêndios. Chegava na cidade em busca de serviço, carregava caixas, descarregava caminhões, pedreiro, pintor, mal e mal falava mas por seus filhos seria cantor. Estava sempre disposto, um bico, um favor, nunca parava quieto estava sempre de bom humor. Cleyde não, amargurada, desesperançosa, estava sempre a reclamar, se não fosse algo dos filhos, um motivo sempre ela tinha. Os meninos iam crescendo e diferenciando-se cada vez mais, mas estes são peças raras e ainda terá o tempo em que hei de explicar. O mangue é inexplicável, ia crescendo, assustando quem o via, encantando quem o conhecia. Antes o mangue estava ali, adiante, com seus fascínios e temores, com seus bichos e seus odores, mas não parece querer esperar, dominou o que um dia José chamou de quintal, e era naquela lama, que um dia irá secar, virar terra vermelha que esta história irá acabar.
Francisco foi o primeiro, fruto da euforia, filho da carne ardente, de uma paixão que começará a despertar. Cleyde era uma criança com corpo de mulher, nunca havia visto um homem que lhe desse a oportunidade dela saber quem é. Não conhecia a ninguém, nem a ela mesma, órfã de mãe, o pai trabalhava de dia, bebia a noite e brigava nas horas vagas. Ela morava longe de tudo, cuidava da casa, da comida e apanhava. Mas estes dias estavam contados, pois todo homem valente um dia conhece alguém mais valante ainda. Certa vez seu pai não voltou e com o passar dos dias sua fome começou a ser incontrolável, e ela decidiu procura-lo. Logo no início da jornada descobrira que nada encontraria, que seu pai que era tão forte encontrara alguém com quem não podia. Sua fome agora se mesclava com os sentimentos de tristeza e de solidão. Mas ela não gostava daquele bêbado mesmo, acreditava que havia deixado sua mãe morrer no parto, e que além de bebedeiras só a desgraça o acompanhava.
Ela encontrara a ajuda de um rapaz simples, que lhe ofereceu pão e uma coberta. Foram vizinhos alguns dias, nos quais dormiram no chão. Cedo ele se levantava e corria lutar pela sua sobrevivência, se apaixonaram e ela engravidou. Resolveram então mudar para a casa de uma tia dele, que morava a poucos quilômetros dali. Suas rotinas não mudaram, ele trabalhava e ela cuidava da casa e de Maria, Senhora doente que logo viria a morrer. Nasce Francisco, menino bom, desde pequeno apegado na mãe e nos irmãos, que não tardariam a nascer. Não via a hora de ir trabalhar com o pai, ajudar a casa, ir para a cidade conhecer pessoas. Demer não, era bravo, estava sempre sozinho. Gostava de ir no mangue, brincava com caranguejos e conversava com urubus, jurava que eles o entendiam e que sua família de nada sabia. O caçula Luiz era o que mais se apegava a todos. Não duvidava de ninguém e fazia tudo o que pediam. Quando se mora afastado de todos não se sabe distinguir o certo do errado, não se acredita que um castigo é justo, nem ao menos para criar limites. Neide e seu complexo de desgraçada que não a deixava em paz, estava sempre se perguntando como era a vida em outros lugares, não sabia o que era felicidade, e tentava passar aos filhos tudo o que sabia. Pois lhes pergunto, o que ela sabia? O que teria aprendido com a dor? Estas experiências poderiam ser ensinadas?
Os três cresceram sofrendo, o pai ausente, pois precisava trazer alimentos, a mãe sempre amargurada, brigando e xingando, um sonhando em trabalhar, outro conversando com urubus e o último que só seria feliz com a felicidade de todos. José sim era feliz, sua família era saudável, ele nunca falhara em trazer comida, sua mulher o tinha como a única coisa boa que acontecera em sua vida.
Finalmente francisco fora trabalhar com o pai, a casa ficou ainda mais vazia, Saiam antes do sol nascer voltavam logo após o sol se por. Certo dia Demer se irritou com Luiz, pegou uma faca e sem pensar nas conseqüências, tentou apunhalar o irmão. Cleyde estava certa, sua vida era uma desgraça, mas não esperava o mesmo da morte, Sangrenta, lerda e dolorida. Fora atingida sem querer, cairá, e antes de perder a consciência ainda teria tempo de ver seu caçula cair ao seu lado, sem forças para se levantar. Ao chegar em casa, José e Francisco não encontraram ninguém, viram algumas manchas de sangue, se preocuparam, mas tinham de descançar. No outro dia, antes do sol nascer, foram trabalhar, enquanto o mangue avançava em direção a sua casa.

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